Cores de Verão
Lembras-te do Verão? Aquele nosso verão, que cheirava a sol, sabia a mar, e nos arranhava a pele bronzeada? Aquele verão passado em cima de umas ruidosas socas vermelhas, toc, toc, toc, a minha pegada arenosa no chão. Os piropos de gozo, teu e dos teus amigos, eu a puxar a saia para baixo, que as pernas feias, magras, cheias de cicatrizes das quedas em duas rodas, e as socas a disfarçar a minha fraca condição de irmã mais nova. Todos os dias tinhamos imensas horas e imensos dias. Amanhã fariamos o mesmo que hoje e hoje, logo se veria, talvez pulássemos a cerca dos primos ricos já na Sardenha, só para dar um mergulho na piscina que eles, imprudentemente, deixavam escancarada para nós. No lusco-fusco podiamos ir roubar figos (porque é que lhes chamavamos pens?!) e perdermo-nos naquele prado imenso, até o homem se chatear e corre, corre! o arfar dos cães já a roçar-nos as canelas. Pegar na chymano e ir até a casa da Ema, ou melhor, ema, cara de gema, gozar com a teresa que só gostava de livros de guerra, ouvir as piadas da Guida, a sardenta dos olhos verdes ou os sermões da Rita, a mais velha das cinco irmãs. Podiamos andar no baloiço, maldita mania a minha, a de saltar do baloiço quando ele ainda no ar. Estavas lá, lembras-te? parece que ainda me vejo, cabelos emaranhados, salgados, um vento morno na cara e mais alto, mais alto que parece que vôo. Acrobaticamente, num salto mal calculado e sem estilo, tento, em vão, livrar-me daquele assento de ferro e madeira, em cheio na minha cabeça! Um branco rápido cegou-me os olhos e em seguida um calor vermelho e pegajoso já na t-shirt, amarela e preta, um tigre, dois tigres, três tigres. Durante anos os bêbedos da roulotte, contaram a história da miúda de cabeça partida que numa tarde de verão correu como uma gazela, fintou árvores, bicicletas e motas. A miúda com a t-shirt, amarela e preta, salpicada de vermelho: Um tigre, dois trigues, tês trigues...