Saturday 22 September 2007

Dia europeu...

Foi naquele dia, mas poderia ter sido em qualquer outro. Poderia ter sido muito antes daquele dia. Atravessaram a rua caminhando lado a lado com a naturalidade de quem se gosta, de quem sente um real prazer na companhia do outro. Tamanha cumplicidade que quem os visse não teria dúvidas em afirmar que iam docemente abraçados. A conversa seria banal (as suas conversas nunca eram banais!), se na voz dela não se denotasse um ligeiro nervosismo, na antecipação do que se seguiria. Ele anuia calmamente e ía debitando algumas opiniões importantes de quem domina a matéria de que se fala. Ela relatando uma situação, tentando nao esquecer os detalhes, os detalhes são sempre importantes, e lia-o de alto a baixo. Lia-lhe as mãos que a distraiam do que lhe dizia, lia-lhe os olhos, que naquele dia brilhavam mais do que nunca. Lia-lhe todos os movimentos dos lábios, as pequenas pregas, o subtil franzir daquele pedaço dele tão apetecível. Lia-lhe a fileira de dentes brancos, uma pequena falha (pediu-lhe que nunca a arranjasse) e os lábios. Algumas sardas na cara - poucas - o peito a descoberto pela falta da gravata. E os lábios. Deteve-se neles o tempo suficiente para não se recordar de uma única palavra que ele cuidadosamente escolhia para ela, como quem escolhe as flores de um arranjo especial. Ele sorriu, benevolente, apercebendo-se da sua ausência, enquanto cavalheiro lhe puxava a cadeira. 'Sabes, eu contigo tinha um filho', diz-lhe, como quem lhe pergunta se aquela mesa está bem, se ela já conhecia o restaurante. Durante uns momentos, todos os carros pararam, as pessoas deixaram de respirar; todas as luzes se apagaram, a natureza suspendeu a fotossíntese. O genoma humano alterou-se. Darwin, um caloiro na praxe, e os rios perderam o seu curso. Naquele momento, o big-bang, um novo mundo nascia, assustado, abalado pela força enorme daquele Cosmos. E num instante, dois seres à deriva entre compêndios de história, o amor, o passado e o futuro.
Foi naquele dia, precisamente há um ano. O dia europeu sem carros. Mas poderia ter sido em qualquer outro.

Tuesday 11 September 2007

Enquanto as torres ruiam

9-11
[foto exposta no ground zero, NY]

Saturday 8 September 2007

A ASAE fechou-nos o Triplex. Estou inconsolável.

(peço aos fãs de Pavarotti que me relevem o devaneio. Mas o Triplex é irrepetível, intocável.
Esta noticia trouxe-me um enorme sentimento de perda, tamanha a nostalgia do que lá vivemos).

Wednesday 5 September 2007

Tempo

O tempo corre, não espera por nós.

Todos precisamos de tempo

Tempo para recordar
Tempo para amar
Tempo para sarar as nossas feridas
Tempo para abrir mão daquilo que amamos
Tempo para esquecer
Tempo para rir
Tempo para lutar por aquilo que queremos
Tempo para perdoar
Tempo para desistir
Tempo para compreender
Tempo para insistir
Tempo para nos levantarmos
Tempo para chorar
Tempo que nos dê mais tempo
Mais tempo para nos encontrarmos


O tempo corre, não espera por nós

Sunday 2 September 2007

A espera

Um dia alguém falará dela no passado. Vão dizer 'ela era isto ou aquilo'. No 'isto ou aquilo' imagino coisas boas, pois é dessas coisas que gostamos de lembrar das pessoas que já não fazem parte da nossa vida. Talvez as outras pessoas não digam o que ela diria de si própria. Se calhar dirão que ela era boa amiga, divertida, alguns talvez ousem com a palavra estouvada. Boa pessoa, na generalidade, e uma mulher bonita, de uma forma simples, vaidosa, mas não arrebatadora. Que os seus olhos de criança e a voz espessa penetrante por vezes enchiam uma sala. Dirão isto ou aquilo, mas nunca o quanto ela era apaixonada por ti. O quanto te amava, sofria por não te poder viver, não como te queria, todo e muito, a todas as horas do seu dia. Como o seu corpo só se aquecia junto do teu, os seus lábios se adoçavam com o teu sabor, o seu coração crescia a cada dia com o teu amor. Dirão isto ou aquilo ignorando que a sua alma, o seu coração, morreram asfixiados com a tua falta. Sufocados sob o peso de um gigante louco sem palavras, uma espera infinita pelo teu amor.