Friday 31 August 2007

3 filhos

Há tempos escrevi uma coisa enorme, a que poderia pomposamente chamar de 'crónica', sobre a 'nova moda' dos 3 filhos (grande demais aqui para o Lapis). Dois é pouco quatro é muito, três está bem. Três é a conta que deus fez. Não há duas sem três. São tantas as frases feitas. Dá para pegar em qualquer uma. Mas perdi a motivação, a vontade de escarnecer, de invejar, conclui, sem grande esforço que eu também gostava de ter três filhos.
Mesmo sendo os meus a minha religião.
Não sei se foi quando um casal amigo teve o terceiro. Uma alegria, um susto que nasceu com complicações, mas lá se esgatanhou e agora nem dá para acreditar que precisou de uma máquina para respirar. Mal acorda ri, nem que tenha dormido só 5 minutos. Um regalo, um presente para todos nós. Meses depois, outro casal amigo, outro terceiro. Desta vez uma ela, um doce de olhos azuis, os únicos da familia inteira (ainda sobram piadas sobre a cor dos olhos do tipo da TV Cabo...). Este mês vai nascer a terceira filha de outros amigos, só a barriga já promete; e se for como as outras e como a mãe, será linda demais e terá uma toque de seda quando me agarrar a mão para me pedir que brinque com ela. Faltava ainda um outro casal amigo, os meus vizinhos, um pouco mais velhos, ambos no segundo casamento, que aparentam uma grande harmonia familiar (e não só, a julgar pelos sons que me chegam pelo velho soalho da casa...). Têm duas filhas. Na realidade a mais velha é só dele, mas vive com ambos e trata a minha amiga por mãe. E ela deixa. Ela gosta. É filha dela. (Eu que não sabia de nada até as dizia parecidas). 'Metemo-nos em alhadas', diz-me ela hoje meio a rir. Fixo-me nos olhos dele que parecem saltar para junto de mim, pedindo um abraço. Enquanto os felicito oiço-me um pigarrear nervoso que me empurra dali para fora. Para um lugar onde os seus olhos não vejam os meus.
Os meus que choram esta nova moda dos três filhos.

Tuesday 14 August 2007

Férias

Férias:
mistura de zumbido de abelhas, terra nos chinelos, tardes que parecem não ter fim, noites que não acabam; preguiça, badalo de ovelha, berro de cabras e resfolegar de potros cansados; paciência, ser boa, fazer o bem, cumprimentar todos com que me cruzo, agradecer o tudo e o nada. Fazer o que os outros não querem, dar colo à birra dos que querem, canções de embalar, sono solto, sal a picar nas costas, bicicleta sem rodas e piscina sem braçadeiras. Cigarras a cantar, canitos a ladrar, meninos a brincar, crescer, aprender, nadar. Esperar.

Thursday 9 August 2007

O mesmo céu

Não consigo viver nesta noite alentejana e não voltar a ter doze anos. Perder-me no céu, procurar o rectângulo tosco da Ursa Maior e seguir, pontinho a pontinho a sua cauda até Sirius, a mais brilhante de todas as estrelas. Continuar o puzzle, procurar a Ursa Menor e adormecer por não a encontrar. Contar os cinco brilhos e o 'W' que me revela a Cassiopeia, e deixar fugir as estrelas cadentes, pedindo-lhes que não partam, que não me deixem já, que eu ainda não pedi o meu desejo. E suspirar a pensar como é que a via láctea, os dinossauros, eu, já com doze anos!
Não consigo olhar este céu brilhante e não ter aqui o meu pai, caminhando no silêncio comigo. A sua mão em gancho no meu pescocito magrelas, apontando-me, sonhadora, o céu: 'filha, nunca te esqueças que estás no melhor hotel do mundo, não tem cinco estrelas, tem milhões'. E eu a acreditar em todas as suas palavras, eu a contar as estrelas, uma a uma.

Não consigo estar nesta noite sem este silêncio, a conversa vadia dos animais ao longe, a nossa sombra, ao luar.

[... e afinal são só doze anos e tenho a vida inteira, todo o tempo do mundo para te fazer uma pessoa feliz]

Friday 3 August 2007

Noite de estreia

'... verificou a bicicleta e o capacete para ver se estava bem apertado e depois seguiram pela ciclovia...'. Foi com esta frase que o meu filho se iniciou ontem no mágico mundo da leitura (decidido que estava em contar a história ao irmão).

Senti uma vertigem vaidosa, uma alegria incrédula, uma dúvida imensa, quase uma desconfiança (!)...que tempo foi este que passou, que te acelerou assim até aqui, filho?

Deixei-o entregue ao seu novo mundo enquanto cambaleava por entre o barulho das palmas, a confusão dos conffettis, o efeito do champagne que me inundava o olhar. Antes de adormecer disse-me, por entre dentinhos de leite: 'mãe, para perceber bem as coisas tenho de ler muitas vezes...'

[pois tens, meu amor, tu, como eu]