Sunday 24 February 2008

Sopa de Feijão à Moda do Pai

Nunca ligou muito a este dia. Nós sim. Nós ligavamos mas hoje, hoje é um dia que não existiu, que não existe mais, sem ele. Hoje faria mais um ano, e iriamos estar todos juntos, à sua volta, enquanto ele preparava a sua famosa sopa de feijão. Puxavamos os bancos da cozinha e íamos-lhe contando os nossos dias. Sempre gostou mais de ouvir do que falar, e nós adoravamos que ele nos ouvisse. Enquanto escolhia as melhores batatas, íamos falando das notas, dos testes, dos preparativos para o sarau de acrobática; O feijão (sempre encarnado), testemunhava as discussões com amigas, depois com o namorado; O caldo knorr (se julgava que não via, que eu não sabia do seu truque!), juntava-se mais tarde, e nós iamos crescendo, eram já problemas com chefes, novos colegas, clientes...
Não voltei a comer sopa de feijão; Deixou de ter aquele sabor, não o do knorr, mas o toque especial que só ele lhe dava, com o seu carinho, o morno das suas mãos, o seu amor.
Guardo-a em mim como guardo a sua voz, o seu cheiro, o seu beijo.
O beijo que é na minha testa desde o último dia em que o vi.

Monday 18 February 2008

Terei esquecido alguma coisa...?

Oh José, tu não vês que agora eu não posso, que a panela ao lume, e ai, não me puxes assim pelo avental que as mãos ainda do refogado, e ai, José, espera, que eu nem pus as cuecas que gostas, as de renda que comprei na feira lá no Redondo, as azuis, e estou toda descomposta e tu hoje até fizeste a barba, e anda, deixa-me pôr ao menos um pouco de perfume, e já não, espera, que assim fico com o rabo frio no mármore da bancada e olha, homem, tu já pagaste a luz? que ando há dois dias nisto e nem ver a novela posso, e ai isso, José, isso é bom, mas a Alzira já me perguntou se a rapariga sempre fugiu com o outro e eu nem sabia o que responder, uma vergonha, José. Anda, homem, não te zangues, eu sei que é chato pagar contas, posso lá ir eu, se ficares tu a limpar os pêlos que deixas na banheira e as juntas de azulejos com o amoníaco, que aquilo que me faz tão mal, José, mal consigo respirar. Humm, eu sei, tu gostas de me ver de rabo para o ar a esfregar, mas nem as unhas posso pintar e depois tu olhas para as outras, e eu nem com o nacarado que a Nélia me trouxe do Brasil, que a lixívia o leva e aquilo foi tão caro, José. Isso, agarra-me por trás que eu gosto, dá-me beijos nas orelhas, não metas a língua homem, que bruto! Abraça-me de mansinho, sussurra-me diminutivos, não palavrões (!) e vai mais devagar, sabes que gosto assim, porque mo perguntas homem, claro que eu gosto, ai, porque gosto tanto de ti, homem, ai, ai, José, para quê a pressa? está bem, vai lá; vai que foi golo e eu tenho o tempero e a panela ao lume…

Sunday 3 February 2008

Brasil

... foi mergulhar em Copacabana, comer um picolé e um queijo coalho com muitos oregãos. Foi passear em Ipanema com um tomara-que-caia e ver o sol pousar na baía de Guanabara para sempre. Foi esperar a pancada* passar, voltar ao sol, à água de côco, ao chopp, à amizade. Foi Vinicius, Jobim, Drummond e Caetano na lenga-lenga dos táxis. Foi achê na Lapa, cigarros de milho e o sinuca a rolar num restaurante show de bola. Foi saltar na noite, na areia, ao som de uns aclamados Skank, frente ao Palace. Foi conhecer a Simone, a Flávia, o José Carlos, a Elenise, o Rafa e o Tuquinho: taxistas, lojistas ou porteiros de hotel que nos eram amigos por uns minutos, talvez umas horas. Foi ser moça numa bicicleta pela cidade, praia, floresta e favelas. Foi ser mais pobre que rico, mas tentar sempre um 'bom djia', 'tudo jóia', 'beleza'. Foi estar distante e só, alegre e triste. Foi virar carioca, virar brasileiro numa praia quente onde todos nos abraçam e até os peixes se riem.
*chuvada

[O Brasil é imenso, é beleza, folia e tristeza ao mesmo tempo. Tão complexo; Bom seria que fosse apenas assim]:







[mas com um pouco mais de sol]