Monday 28 January 2008

Queria dizer-te...

...tantas coisas. Queria contar-te que me magoaram, pedir-te uma festa no meu coração ferido. Queria contar-te o que me tira o sono, o que me faz rir, o que me faz levantar de manhã e o que me faz gritar. Dizer-te que fico triste (parva!) quando não gostam de mim, ao mesmo tempo que vaidosa quando dizem bem de mim. Que é mentira que não coro, e que sou crescida; Queria mostrar-te que não sei nada da vida mas que sei atar os sapatos e outras coisas que te posso ensinar. Queria pedir-te conselhos, mostrar-te a roupa nova, saber como fica a camisola que te dei pelos anos. Queria enroscar-me a ti no sofá, aquecer-me no teu silêncio, adormecer à sombra dos teus pensamentos. Queria morder-te os lábios e passear a lingua pelos teus dentes urgentes com a minha ausência. Queria que precisasses de mim, e me desses um abraço tão próximo que me sentisses a pele e os ossos como uma impressão digital na palma das tuas mãos. Queria ser o pedaço de vida que te falta, que me escovasses o cabelo lavado antes de me deitar...; Queria dizer-te que me és infinito, me vives cá dentro e como sou pequena sem ti. Queria tudo isto e tanto mais, mas uma ínfima hora sempre tão pouca, uma hora que não estica, que nunca se atrasa. Como eu sempre te atraso para poder ter só mais um pouco de ti.

Monday 14 January 2008

La muerte en un pueblo

Num pequeno pueblo andaluz, a morte é um acontecimento. Faço-me à estrada e com a noite entranhada nos ossos, chego uma década depois. Ofusca-me o progresso, as rotundas, o neón da Porcelanosa; Ao longe a Plaza Mayor, os botellones universitários onde partilhavamos gargalos de rioja barato com putos de voz de bisnaga [eles cresceram; a voz não]. Chegamos ao Tanatório Municipal, que mais parece um hotel de 4 estrelas de Varadero e rompemos o grupo que nos abraça e beija com verdadeira alegria pela nossa chegada. Julgo que para eles, como para mim, estarmos juntos é fazer o tempo andar para trás. Conheço a Mari Ángeles que gostava de ir a Nova Iorque não fosse o medo de voar e o marido, com quem vive em Talavera e a quem alguns clientes já tratam por D. José María (!). Ali sou irmã do Portugués guapo, com quem vou entretendo o tempo a observar as marujas cumpridoras do seu papel, gemendo e puxando as lágrimas que a família tenta guardar para a sua intimidade.
Durmo em casa do morto, onde este era vivo até há escassas horas, e eu meia sorrisos a tentar disfarçar o desconforto que isso me causa. Um venga niña, acercate y arópate que eres de la família, convida-me às conversas do braseiro, mas eu incapaz de articular uma frase, obcecada que estou com a visão do quarto, da cama dele. A noite passa lenta, os olhos gelados no tecto, na sombra do crucifixo. Tento o iPod, mas percebo o risco de tirar a vida aos Air, ao Caetano à Regina Spektor ... como um perfume bom que se use para disfarçar um cheiro desagradável. Desligo a música e penetro na noite sozinha onde penso na viúva, nos filhos, na vida. Na minha vida.

A manhã seguinte são titos e titas, peinadas e arranjadas a acotovelarem-se na missa. O Padre, amigo da família, relembra estórias, a amizade e a mala leche do morto, arrancando uns esgares timidos às gentes. Distraio-me a contar os quadros da Igreja, a Sara que está grávida de um dador anonimo, o borracho do Nacho com a mulher, uma morenaça de voz seca e rouca. O padre canta e com ele um lamento colectivo.

Despeço-me, de Espanha, da morte. Até à próxima.