Friday 10 December 2010

A ver se não me esqueço

"Escreva. Deixe-se crescer, ter uma vida mais tranquila. E quando lá chegar, não esqueça: escreva. Guarde esta nota mental, vai ter muito para dizer a muita gente" - o maior acto de fé que alguém demonstrou para comigo.
Foi hoje.

Friday 26 November 2010

I'd rather be lonely than be happy with somebody else

O que dizer quando a vida nos cai?
Quando o coração bate do lado de fora?
Que palavras se a dor já não dói?
As lágrimas já não são?
Quando o frio e a noite
se juntam numa canção?
Memórias, cheiros, suspiros, verdades
suplicam perdão
são gritos e beijos, de amor, de alucinação
[prefiro a mentira a esta prisão]

Monday 30 November 2009

Carta aberta a uma neta

Minha querida neta, os teus receios são os meus e de muitas mães por esse mundo fora. Não existem fórmulas perfeitas...mas tu sabes isso, não sabes? Tu já és crescidinha. Reflecte por favor, com a mesma honestidade que colocas nos teus medos e frustrações, sobre a tua incondicional capacidade de amares e de te dares aos teus filhos. Para se amar é preciso sentirmo-nos livres para o fazer e tu vivias aprisionada no desconforto de um lar eficaz, mas pouco carinhoso. Hoje não serias, seguramente, a mãe que os teus filhos adoram.

Não te coloco em nenhum pedestal mas adoro-te e admiro-te, porque te vens revelando uma grande mulher tão cega pelo amor que tens pelos teus meninos, que não consegues ver o quanto eles estão bem. Têm a oportunidade de testemunhar que a vida tem muitas oportunidades e que apesar das tuas escolhas, eles continuam a ser amados e cuidados, com o carinho eterno que lhes tens.

Para te ser franca, querida, sei que passarás sempre pelo calvário de pensares que tudo na sua vida é culpa tua, tal como eu sempre o pensei relativamente às minhas queridas filhas.

Tu és assim. Linda, cheia de energia, complexa, admirável, amiga e com o terrível defeito de pensares que és omnipresente e omnipotente em relação a tudo o que te rodeia. Infelizmente, não é assim; o mundo pula e avança, levando os nossos filhos, que crescem depressa demais, e nós apesar de todo o cuidado e amor que lhes temos, não os conseguimos agarrar, pois bem sabemos que não o devemos fazer.

Meu amor, nunca te esqueças de viver bem contigo, pois quando tiveres cem anos, olharás para trás e ficarás surpresa com o bem que fizeste pela vida fora, e certamente os teus filhos serão homens de bem, confiantes no teu amor que se perpetuará nas suas memorias até ao fim dos seus dias.

Este é o melhor presente que uma mãe pode dar, e tu nunca o negaste.

je t`aime.

Tuesday 3 November 2009

Olho vivo...


Hoje resolvi aproveitar a doce inocência da infância, a espontaneidade directa e sem filtro da minha cria mais nova:
- Filho... porque é que gostas da mãe?
- Porque sim.
- Mas porquê, deves ter alguma razão...

- hum... porque me dás copos de água e chegas aos brinquedos mais altos!

[Ainda bem que lhe perguntei isto hoje, é que na indecisão entre a gargalhada sonora, também espontânea, e o sorriso abafado, explodi a rir. Para grande espanto seu]

Wednesday 21 October 2009

Anónima


Chega o Outono e eu um truque, como se não mais existisse, como se eu várias pessoas, que não me conhecem, eu não me conheço. Deixo de seguir a direito e perco-me em estradinhas complexas e estúpidas à procura de um sentido para a vida (existe?). Deixo de aceitar que sou eu, imperfeita, incompleta, inconformada, inconsolável, falta-me quase tudo. Mudo-me para um sítio novo, que já não existe; tenho tranças e brinco ao elástico, os meus filhos, bebés, no regaço, a gargalhada deles como música, eu ao colo do meu pai, tenho 10 anos, sou pequena e tenho tanto juízo. E eu, que sou de todos, passo a ser só minha. Sem juízo, com chuva;
eu, um mal disfarçado truque.

Tuesday 22 September 2009

ps: I love you


Não sei porquê, este dia.
um formigueiro,
rofenho,
a parede lascada,
panelas e fervuras
palavras, sons, cheiros, metáforas,
a amálgama da vida
e eu sentada a fugir
fujo para mais perto
grito baixinho
(não ouves?)
sorrio
encantamento

amargura
felicidade
loucura
a janela aberta
e eu sem respirar
saio aos encontrões
zonza, palavrões
odeio-te, parvo
amo-te loucamente
o dia que se faz noite
a mão que se faz minha
um amor que se faz tarde
não sei porquê, este dia

este dia será sempre

Monday 13 July 2009

A vida é um lugar estranho

Hoje apeteceu-me vir aqui. Sem razão alguma (não tenho que ter razões!), vim dar conta do que era na minha vida passada. Passou mais de um ano, passaram muitas noites em claro, passaram alguns quilos no ponteiro da Balança (primeiro para trás, agora para a frente), passaram-se banalidades mas também dramas intensos; passou-se o Obama, a Gripe e o CR9.Os meus filhos ultrapassaram o metro de altura, e eu passei a fronteira, trepei o muro, vim ver o que estava deste lado.

Mudei de vida.

Thursday 6 March 2008

[Para todos nós haverá um último dia. O último dia em que nos levantamos de manhã, em que voltamos com um brinquedo novo para casa; o último dia em que fechamos atrás de nós a porta, como todos os dias, num até amanhã que damos como certo. Um amanhã que nunca será]

Sunday 24 February 2008

Sopa de Feijão à Moda do Pai

Nunca ligou muito a este dia. Nós sim. Nós ligavamos mas hoje, hoje é um dia que não existiu, que não existe mais, sem ele. Hoje faria mais um ano, e iriamos estar todos juntos, à sua volta, enquanto ele preparava a sua famosa sopa de feijão. Puxavamos os bancos da cozinha e íamos-lhe contando os nossos dias. Sempre gostou mais de ouvir do que falar, e nós adoravamos que ele nos ouvisse. Enquanto escolhia as melhores batatas, íamos falando das notas, dos testes, dos preparativos para o sarau de acrobática; O feijão (sempre encarnado), testemunhava as discussões com amigas, depois com o namorado; O caldo knorr (se julgava que não via, que eu não sabia do seu truque!), juntava-se mais tarde, e nós iamos crescendo, eram já problemas com chefes, novos colegas, clientes...
Não voltei a comer sopa de feijão; Deixou de ter aquele sabor, não o do knorr, mas o toque especial que só ele lhe dava, com o seu carinho, o morno das suas mãos, o seu amor.
Guardo-a em mim como guardo a sua voz, o seu cheiro, o seu beijo.
O beijo que é na minha testa desde o último dia em que o vi.

Monday 18 February 2008

Terei esquecido alguma coisa...?

Oh José, tu não vês que agora eu não posso, que a panela ao lume, e ai, não me puxes assim pelo avental que as mãos ainda do refogado, e ai, José, espera, que eu nem pus as cuecas que gostas, as de renda que comprei na feira lá no Redondo, as azuis, e estou toda descomposta e tu hoje até fizeste a barba, e anda, deixa-me pôr ao menos um pouco de perfume, e já não, espera, que assim fico com o rabo frio no mármore da bancada e olha, homem, tu já pagaste a luz? que ando há dois dias nisto e nem ver a novela posso, e ai isso, José, isso é bom, mas a Alzira já me perguntou se a rapariga sempre fugiu com o outro e eu nem sabia o que responder, uma vergonha, José. Anda, homem, não te zangues, eu sei que é chato pagar contas, posso lá ir eu, se ficares tu a limpar os pêlos que deixas na banheira e as juntas de azulejos com o amoníaco, que aquilo que me faz tão mal, José, mal consigo respirar. Humm, eu sei, tu gostas de me ver de rabo para o ar a esfregar, mas nem as unhas posso pintar e depois tu olhas para as outras, e eu nem com o nacarado que a Nélia me trouxe do Brasil, que a lixívia o leva e aquilo foi tão caro, José. Isso, agarra-me por trás que eu gosto, dá-me beijos nas orelhas, não metas a língua homem, que bruto! Abraça-me de mansinho, sussurra-me diminutivos, não palavrões (!) e vai mais devagar, sabes que gosto assim, porque mo perguntas homem, claro que eu gosto, ai, porque gosto tanto de ti, homem, ai, ai, José, para quê a pressa? está bem, vai lá; vai que foi golo e eu tenho o tempero e a panela ao lume…

Sunday 3 February 2008

Brasil

... foi mergulhar em Copacabana, comer um picolé e um queijo coalho com muitos oregãos. Foi passear em Ipanema com um tomara-que-caia e ver o sol pousar na baía de Guanabara para sempre. Foi esperar a pancada* passar, voltar ao sol, à água de côco, ao chopp, à amizade. Foi Vinicius, Jobim, Drummond e Caetano na lenga-lenga dos táxis. Foi achê na Lapa, cigarros de milho e o sinuca a rolar num restaurante show de bola. Foi saltar na noite, na areia, ao som de uns aclamados Skank, frente ao Palace. Foi conhecer a Simone, a Flávia, o José Carlos, a Elenise, o Rafa e o Tuquinho: taxistas, lojistas ou porteiros de hotel que nos eram amigos por uns minutos, talvez umas horas. Foi ser moça numa bicicleta pela cidade, praia, floresta e favelas. Foi ser mais pobre que rico, mas tentar sempre um 'bom djia', 'tudo jóia', 'beleza'. Foi estar distante e só, alegre e triste. Foi virar carioca, virar brasileiro numa praia quente onde todos nos abraçam e até os peixes se riem.
*chuvada

[O Brasil é imenso, é beleza, folia e tristeza ao mesmo tempo. Tão complexo; Bom seria que fosse apenas assim]:







[mas com um pouco mais de sol]

Monday 28 January 2008

Queria dizer-te...

...tantas coisas. Queria contar-te que me magoaram, pedir-te uma festa no meu coração ferido. Queria contar-te o que me tira o sono, o que me faz rir, o que me faz levantar de manhã e o que me faz gritar. Dizer-te que fico triste (parva!) quando não gostam de mim, ao mesmo tempo que vaidosa quando dizem bem de mim. Que é mentira que não coro, e que sou crescida; Queria mostrar-te que não sei nada da vida mas que sei atar os sapatos e outras coisas que te posso ensinar. Queria pedir-te conselhos, mostrar-te a roupa nova, saber como fica a camisola que te dei pelos anos. Queria enroscar-me a ti no sofá, aquecer-me no teu silêncio, adormecer à sombra dos teus pensamentos. Queria morder-te os lábios e passear a lingua pelos teus dentes urgentes com a minha ausência. Queria que precisasses de mim, e me desses um abraço tão próximo que me sentisses a pele e os ossos como uma impressão digital na palma das tuas mãos. Queria ser o pedaço de vida que te falta, que me escovasses o cabelo lavado antes de me deitar...; Queria dizer-te que me és infinito, me vives cá dentro e como sou pequena sem ti. Queria tudo isto e tanto mais, mas uma ínfima hora sempre tão pouca, uma hora que não estica, que nunca se atrasa. Como eu sempre te atraso para poder ter só mais um pouco de ti.

Monday 14 January 2008

La muerte en un pueblo

Num pequeno pueblo andaluz, a morte é um acontecimento. Faço-me à estrada e com a noite entranhada nos ossos, chego uma década depois. Ofusca-me o progresso, as rotundas, o neón da Porcelanosa; Ao longe a Plaza Mayor, os botellones universitários onde partilhavamos gargalos de rioja barato com putos de voz de bisnaga [eles cresceram; a voz não]. Chegamos ao Tanatório Municipal, que mais parece um hotel de 4 estrelas de Varadero e rompemos o grupo que nos abraça e beija com verdadeira alegria pela nossa chegada. Julgo que para eles, como para mim, estarmos juntos é fazer o tempo andar para trás. Conheço a Mari Ángeles que gostava de ir a Nova Iorque não fosse o medo de voar e o marido, com quem vive em Talavera e a quem alguns clientes já tratam por D. José María (!). Ali sou irmã do Portugués guapo, com quem vou entretendo o tempo a observar as marujas cumpridoras do seu papel, gemendo e puxando as lágrimas que a família tenta guardar para a sua intimidade.
Durmo em casa do morto, onde este era vivo até há escassas horas, e eu meia sorrisos a tentar disfarçar o desconforto que isso me causa. Um venga niña, acercate y arópate que eres de la família, convida-me às conversas do braseiro, mas eu incapaz de articular uma frase, obcecada que estou com a visão do quarto, da cama dele. A noite passa lenta, os olhos gelados no tecto, na sombra do crucifixo. Tento o iPod, mas percebo o risco de tirar a vida aos Air, ao Caetano à Regina Spektor ... como um perfume bom que se use para disfarçar um cheiro desagradável. Desligo a música e penetro na noite sozinha onde penso na viúva, nos filhos, na vida. Na minha vida.

A manhã seguinte são titos e titas, peinadas e arranjadas a acotovelarem-se na missa. O Padre, amigo da família, relembra estórias, a amizade e a mala leche do morto, arrancando uns esgares timidos às gentes. Distraio-me a contar os quadros da Igreja, a Sara que está grávida de um dador anonimo, o borracho do Nacho com a mulher, uma morenaça de voz seca e rouca. O padre canta e com ele um lamento colectivo.

Despeço-me, de Espanha, da morte. Até à próxima.

Friday 21 December 2007

O meu Post de Natal*

Gosto quando o meu filho se escarrancha ao meu colo e me cola o hálito de menino à cara. Quando me olha com aqueles olhos-coruja, me espreita a alma. Como se apaixona por mim, ao meu colo. 'És linda, mãe', e eu vou cedendo os músculos, o stress dos dias e todo o castanho que tinha cá dentro. Eu vou esquecendo que existo, que sou mais do que a mãozinha dele quente e suada junto à minha, seca, gelada. Perco a voz, foge-me o Português e as palavras são presas na garganta por um fiozinho mágico, de prilimpimpim. E ele, malandro, a enfeitiçar-me com o narizinho redondo, a sopinha de massa, a cantilena que espalha a paz pelo mundo, por todos nós. Diz-me que eu sou uma rosa e abraça-me o coração, com uma ternura que só dele, e eu a querer rir, mas o riso a chorar, porquê uma rosa, e agora rio porque me lembro dos espinhos, que tenho e magoam (!) e ele, meloso, a completar: 'És mais bonita que um brilhante'. Eu a perder o solo e a voar, a gravitar no céu onde as estrelas brilham, para mim e para o meu filho, apaixonado por mim, ao meu colo.

[*é das crianças]

Monday 10 December 2007

Let me be (your) woman

Deixa-me olhar-te. Sim, isso, só pelo cantinho do olho, eu prometo, nada de olhares indiscretos, que te cobicem no fundo dos meus olhos. E cheirar-te, posso, também? Vá lá, só um bocadinho. Nem precisas chegar-me o pescoço; deixa-me só deslizar o olfacto distraído pelo teu cadeirão de pele, enquanto de olhos fechados passeio contigo em Veneza. Deixa-me tocar-te, ligeirinha, como quem joga ao Mikado. Como quem não quer perder, mas tão ao de leve, vais ver que nem dás por mim. E chamar-te, deixas? não um grito, como se do outro lado da linha, mas cantarolar-te, só para mim, um Cinema Paradiso do Ennio Morricone. Deixa-me dizer-te que és querido, meu querido, um sussuro inaudível.

Deixa que nos meus lábios sejas tudo o que não me podes ser na vida. Deixas?