Thursday 26 July 2007

Diz-me

Diz-me qualquer coisa, alguma coisa, mesmo que nada, diz-me.
Diz-me que precisas de mim, que me queres à tua beira, ainda que em manhãs rabugentas ou fins de tarde cansados.
Diz-me que te completo, que és melhor pessoa comigo. Diz-me que tens o meu toque na tua pele, o peso leve do meu corpo nu sobre o teu.
Diz-me que cheiro a sabão, a roupa lavada estendida ao sol. Pede-me colo, que eu sou meiga, e deixa-me amar-te os cabelos com a ponta dos meus dedos apaixonados.
Diz-me que queres um filho meu, melhor, faz-me um filho, deixa-me puxar-te de mansinho, envolver-te com as minhas pernas e apertar-te bem junto a mim.
Deixa-me sentir o quente da tua vida a apoderar-se de mim, e diz-me qualquer coisa, alguma coisa, mesmo que nada...
Entra em mim e enxuga as minhas lágrimas, limpa a minha alma e enche-me de vida.

Wednesday 25 July 2007

"Os teus pais não têm ideia do que me fizeram quando, distraidamente, te fizeram "

[ou como sabes tão bem dizer que me amas]

Sunday 15 July 2007

Amor de pátio da escola

Desde o recreio que só penso em ti.

Tu és o meu príncipe encantado, fazes-me sonhar com dias cor-de-rosa, num palácio elegante onde seriamos 'felizes para sempre'. Gosto do teu sorriso, da forma gentil com que tratas as raparigas, não és como os teus amigos que nos estão sempre a tentar pôr gafanhotos nas costas ou apalpar o rabo quando corremos para a sala antes que soe o 2º toque. Gosto do teu cabelo espetado, dos teus braços magrinhos e dos teus olhos sinceros quando olhas para mim (porque me olhas assim?), e, claro, do teu fato de treino azul da Nike que os teus pais te trouxeram do estrangeiro. Ficas muito bonito, com o fecho todo corrido até ao pescoço, ainda mais bonito do que já és.

Nem consigo acreditar que hoje me deste este papelinho para a mão (eu vi a palavra amor riscada!)

ando a pensar se terás mesmo sido tu que o escreveste. Não que não te ache capaz, sei que escreves muito bem, conseguiste um 5 com o professor Artur (!) mas na festa da Ana, vi-te a dançar muito agarradinho à Marta e ela é muito mais bonita que eu. Tem um cabelo negro de índia, umas sardas lindas, e umas favolas muito redondinhas e brancas; além disso, usa vestidos da Migacho e dos Porfirios, sei que os rapazes estão todos pelo beicinho por ela.
Pergunto-me o que terás visto em mim?

Eu sou desajeitada, tenho o cabelo despenteado, quando me chamam nas aulas fico tão nervosa que não consigo dizer nada de jeito, nada do que penso. Outro dia a professora de inglês perguntou-me o que era um stick e eu atrevi-me a dizer toda entusiasmada que eram autocolantes! Já viste o disparate? Claro que pus a aula toda a rir, felizmente tocou para almoço e só tive de ouvir o kennedy e o andré a troçarem à saída. Mas o pior já estava feito: mostrei a todos a tonta que sou.

Diz-me: como podes gostar de mim?!

A única vez que um rapaz se declarou a mim, deixava-me bilhetes anónimos no estojo assinados com um K misterioso. Claro que pensei que era o Kennedy, mas afinal era o Miguel, a gozar comigo, a ver se eu aparecia nos encontros que ele marcava. Apareci em todos: atrás do pavilhão da ginástica, no bengaleiro do refeitório, no posto de enfermagem e até na sala do director. Ele fartou-se de rir às minhas custas, mas eu sou assim, tola, e acima de tudo, não deixo de ser curiosa. Imagina se estivesse mesmo lá alguém... imagina que eras tu, e eu não aparecia...?! Era como ter o cromo mais difícil da Sarah Kay e perder a caderneta!

E agora... este quadradinho de amor no pátio da escola.

Ainda não tive coragem de tirar o papel do bolso, tal o medo que as tuas palavras já não estejam lá, desapareçam por entre os meus dedos suados. Só quero chegar a casa para o guardar no cofre que o pai me deu, esperando que lá se conservem, as palavras e tudo aquilo que tu sentes por mim.

Até sermos crescidos e termos idade para um final feliz.

Friday 13 July 2007

Só porque sim

Só porque sim, porque é hoje, e é azar, desculpa-me o desvario, a imprudência insane de gostar assim (tanto) de ti.

pergunto-te, azar: porquê?

Wednesday 4 July 2007

Ontem será sempre

Ontem voltei à casa que habitavamos os dois. Eu, visitante incauto à espreita de um vestígio teu, os teus passos, o teu som, qualquer réstia de ti, mas constato tristemente que já nada ali é nosso. As paredes, surpresas, devolveram-me o teu sorriso, o quente do teu rosto ronronando no meu braço, o teu olhar de menino apaixonado nuns óculos descaidos. Chegaram-me as tuas mãos, lindas, os teus vocábulos perfeitos articulando-se no meu mundo, o teu franzir de nariz e esses olhos cobiçosos que me impelem para ti. Fui lá, e sem aviso o teu cheiro entranhando-se em mim, as tuas roupas abandonadas em cima da cama, a gravata bordeaux [ainda] enrolada em cima da mesa. Ontem voltei lá. Sem tu estares, sem tu saberes, ontem será sempre a tua mão sobre a minha numa mesinha de fim de verão.

Monday 2 July 2007

Uma velha fotografia


Sentia-se enrugada, mas sobretudo esquecida dos tempos em que andava de mão em mão exibida a alguém que transbordava de orgulho por ela ser quem era; ela, fotografia velha espreitando de soslaio a janela, apenas por uma ponta dobrada que caia de um livro, também ele velho, e por momentos sufocava, se se detinha a pensar que lá fora havia tanto ar e ali, só escuridão, ácaros, solidão.
Com os anos aprendera a viver com as marcas no papel, as rugas na cara outrora jovem daquele homem hirto empunhando um uniforme, deixando escapar um sorriso, enquanto um pássaro lhe pousava no ombro. Aprendera a viver sem o calor daquele dia africano, sem o som dos praças que gozavam a pose pomposa, sem a covinha que fugiu, naquele momento, para o rosto de um homem que se queria sério.
Tinha-se despedido de todas as cores que não chegou a conhecer, aceitando os tons pastel já esborratados a sépia. Com o rasgar do tempo, aprendeu a esperar por um outro olhar que se detivesse naquele pequeno rectângulo de saudade, um sorriso que se esgueirasse naquele lembrar de que o que foi não volta a ser [mesmo que muito se queira].