Monday 14 January 2008

La muerte en un pueblo

Num pequeno pueblo andaluz, a morte é um acontecimento. Faço-me à estrada e com a noite entranhada nos ossos, chego uma década depois. Ofusca-me o progresso, as rotundas, o neón da Porcelanosa; Ao longe a Plaza Mayor, os botellones universitários onde partilhavamos gargalos de rioja barato com putos de voz de bisnaga [eles cresceram; a voz não]. Chegamos ao Tanatório Municipal, que mais parece um hotel de 4 estrelas de Varadero e rompemos o grupo que nos abraça e beija com verdadeira alegria pela nossa chegada. Julgo que para eles, como para mim, estarmos juntos é fazer o tempo andar para trás. Conheço a Mari Ángeles que gostava de ir a Nova Iorque não fosse o medo de voar e o marido, com quem vive em Talavera e a quem alguns clientes já tratam por D. José María (!). Ali sou irmã do Portugués guapo, com quem vou entretendo o tempo a observar as marujas cumpridoras do seu papel, gemendo e puxando as lágrimas que a família tenta guardar para a sua intimidade.
Durmo em casa do morto, onde este era vivo até há escassas horas, e eu meia sorrisos a tentar disfarçar o desconforto que isso me causa. Um venga niña, acercate y arópate que eres de la família, convida-me às conversas do braseiro, mas eu incapaz de articular uma frase, obcecada que estou com a visão do quarto, da cama dele. A noite passa lenta, os olhos gelados no tecto, na sombra do crucifixo. Tento o iPod, mas percebo o risco de tirar a vida aos Air, ao Caetano à Regina Spektor ... como um perfume bom que se use para disfarçar um cheiro desagradável. Desligo a música e penetro na noite sozinha onde penso na viúva, nos filhos, na vida. Na minha vida.

A manhã seguinte são titos e titas, peinadas e arranjadas a acotovelarem-se na missa. O Padre, amigo da família, relembra estórias, a amizade e a mala leche do morto, arrancando uns esgares timidos às gentes. Distraio-me a contar os quadros da Igreja, a Sara que está grávida de um dador anonimo, o borracho do Nacho com a mulher, uma morenaça de voz seca e rouca. O padre canta e com ele um lamento colectivo.

Despeço-me, de Espanha, da morte. Até à próxima.

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